SMS, email e ajuda dos amigos: como é a vida de quem não usa WhatsApp

Nem mesmo uma pandemia e o isolamento social convenceram algumas pessoas a usar uma das ferramentas de comunicação mais populares no Brasil e em boa parte do mundo: o WhatsApp. Os motivos? Manutenção da saúde mental, a priorização de outras atividades, o sossego, a preservação da individualidade e até mesmo um certo saudosismo pela vida analógica.
Para se manter longe do aplicativo, encontram novas formas de se comunicar —ou voltam a antigas— para não ficarem totalmente de fora dos assuntos, das reuniões de trabalho e dos eventos.
Uma das ferramentas é o bom e velho SMS, recurso que caiu no ostracismo quando ou a ser dominado por propagandas e cobranças bancárias e de lojas de departamento.
O jornalista e escritor Lauro Henriques Junior, de 47 anos, conta que o app nunca atraiu sua atenção, apesar de reconhecer "alguns benefícios". E para manter seus contatos de trabalho, manda mensagem de texto via SMS. Mas, Henriques toma algumas precauções.
"Eu mando o SMS, e se percebo que a pessoa demorou muito para responder, faço uma ligação ou mando um email. Sei que muita gente nem lembra desse recurso e até desativa as notificações. Já aconteceu de ter dificuldades em alguns momentos, mas as contornei tranquilamente", conta o jornalista.
Boa parte da decisão vem da necessidade de manter sua "sanidade mental", ficar longe de conversas desnecessárias e até mesmo escapar das fake news.
Percebo que quem usa o WhatsApp fica mais imediatista. A pessoa escreve e acha que tem que ser respondida prontamente. Quero preservar meu tempo e manter a comunicação mais saudável. Vejo as pessoas parando o que estão fazendo para responder uma mensagem que, geralmente, nem tem importância nenhuma para o momento. Além disso, não quero ficar recebendo informação falsa em massa
Lauro Henriques Junior, jornalista e escritor
Apesar das críticas, o escritor tem Facebook e decidiu abrir uma conta no Instagram durante a pandemia. Uma postura diferente do "Ricardo", de 37 anos (que preferiu não ser identificado).
"Ricardo" vive praticamente em um mundo analógico. Não tem nenhuma rede social, ostenta um celular antigo com o jogo da minhoquinha e, até o mês ado, sequer tinha internet em casa. Ele faz poesias e as manda via SMS para os amigos. Mas, o número de leitores caiu bastante com a chegada do WhatsApp.
Ter internet em casa já foi uma grande transição, porque a considero muito sedutora e onde ela chega, ela toma conta. Mas eu queria manter práticas antigas como ler livros, ouvir meus CDs, DVDs. Escolhi o SMS para enviar meu correio poético. É por meio dele que as pessoas entram em contato comigo. Perdi muitos contatos. Teve gente que disse que o contato seria feito pelo WhatsApp ou pelas redes sociais, porque não iriam 'andar para trás' por minha causa
"Ricardo",
Apesar de a pandemia reduzir ainda mais suas possibilidades de contato, não foi o suficiente para abrir mão do que ele considera uma liberdade à "imposição tecnológica". "Só farei um WhatsApp quando eu precisar buscar um novo emprego, porque sei que no mercado de trabalho eles não fazem concessões", diz.
Ao desligar a ligação da entrevista com "Ricardo", a reportagem recebeu um correio poético via SMS.
A luta para ficar por dentro
Quem não tem WhatsApp precisa contar com a colaboração de quem tem para conseguir participar dos eventos online durante a pandemia.
A enfermeira Roseane Oberderfer, de 53 anos, do Campo Limpo (zona sul da capital paulista), participa de um grupo de oração desde que o isolamento social começou. As reuniões acontecem pelo Zoom, mas toda a organização da atividade é feita via grupo no WhatsApp.
Faço parte do grupo de reza do terço e também alguns de dança circular. Antes de começar, alguém sempre me manda o link pelo Messenger do Facebook. Nunca fiquei de fora. Dá um certo trabalho para quem fica responsável por enviar, mas vejo que fazem com amor porque entendem e respeitam a minha decisão de não ter o aplicativo
Roseane Oberderfer, enfermeira
Roseane tomou a decisão de não ter WhatsApp quando experimentou a ferramenta por 24 horas e ela não parou de vibrar seu celular quando estava no hospital.
"Comecei a receber correntes e outras mensagens que eu não tinha interesse nenhum, então desinstalei. Faço tratamento oncológico e quero sossego, mesmo com as pessoas insistindo para que eu baixe o aplicativo. Vejo muito desentendimento por causa das coisas enviadas via WhasApp. Por isso, sou muito feliz assim", diz Oberderfe.
O assistente financeiro Celi Rodrigues dos Santos, de 48 anos, de Guarulhos (Grande SP), também quer sossego, mesmo que isso custe as fatídicas reuniões de família por vídeochamada para matar a saudade dos parentes.
Sem nenhuma rede social e o à internet no celular, Santos segue contente e orgulhoso por não se render ao aplicativo. Porém, para amenizar a distância durante o isolamento social, o precisou de uma mãozinha.
Uma vez fizeram uma reunião de família pelo Whatsapp e eu participei pelo celular da minha tia. Estou começando a sentir a necessidade [de ter o app], principalmente por causa da pandemia. Mas, por enquanto, não vou fazer, porque também é um gasto com internet no celular que hoje não tenho. Ainda teria que comprar outro aparelho. Não tenho muita paciência para ficar mexendo
Celi Rodrigues dos Santos, assistente financeiro
Nadando contra a corrente
A recusa em usar o famoso mensageiro pode ser desmembrada em alguns perfis. A psicóloga Marisa de Abreu afirma que optar por não ter WhatsApp pode ser uma forma de oposição afrontosa, um tipo de saudosismo e até mesmo uma maneira de se sentir especial.
"Essas pessoas enfrentam grandes dificuldades de comunicação, pois a maioria já se acostumou à rapidez e praticidade do WhatsApp. Mesmo assim mantém essa posição. Acaba sendo uma forma de ser visto como uma pessoa diferente, que anda na contramão, não se entrega à maioria", afirma a psicóloga.
O professor Victor Lopes Mausano Brasil, de 35 anos, de Barra Bonita (Interior de SP), tentou ser uma pessoa mais preservada e livre das pressões sociais, mas, há um ano e meio precisou sucumbir às facilidades de comunicação do WhatsApp, mesmo que um tanto contra a sua vontade.
"Falam que o mundo moderno é cheio de escolhas, mas parece que escolhem para a gente. Comecei a me sentir excluído. A gente vai ficando à margem quando as pessoas am a priorizar o contato com quem tem o aplicativo. Me senti obrigado a ter", conta Brasil.
E com a chegada da pandemia, as aulas online foram inevitáveis. Então, o professor viu seu tempo no aplicativo mais que duplicar, o que lhe causa bastante incômodo.
"O processo online fez cair o meu tempo de leitura. A aula online exige um preparo mais lento e a aprender a mexer em novas ferramentas. A impressão é que o app resolve as coisas, mas a verdade é que as coisas am e você nem sente e fica dominado pela ferramenta. Fora a falta de afetividade das conversas", diz o professor.
A psicóloga e terapeuta cognitiva comportamental Pâmela da Silveira endossa o discurso. "Noto que alguns indivíduos que não tem o aplicativo se sentem, às vezes, solitários e excluídos, já que a maior parte das pessoas se acostumou a contar novidades, enviar convites de festas, aniversários, lembretes e consultas apenas pelo WhatsApp", afirma Silveira.
A psicóloga também reconhece outro motivo pela recusa. "Percebo que quem decide ficar de fora o faz para conseguir manter a privacidade, gerir suas prioridades e se dedicar melhor a atividades que precisam da sua atenção", afirma.
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